quarta-feira, 14 de maio de 2014

Kilma Farias

Artigo; resultante da pesquisa sobre Tribal Fusion e Videodança desenvolvida no NEPCênico

13 de maio de 2014 às 22:40
Aos interessados sobre Tribal Fusion e videodança, segue artigo que foi apresentado através de comunicação no III Encontro Internacional de Educação Artística - URCA.

Tribal Fusion e Videodança : o duplo hibridismo na tela
Kilma Farias Bezerra
Universidade Federal da Paraíba
Curso de Licenciatura em Dança
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Corpo Cênico - NEPCênico
Orientador: Guilherme Schulze


Resumo: Abrir uma discussão sobre identidade tendo como ponto norteador o hibridismo cultural presente em duas artes híbridas, o Tribal Fusion e a Videodança, é a maior contribuição dessa pesquisa que traz a análise de sete videodanças à luz de diversas técnicas audiovisuais a exemplo das cinematográficas, videoarte, videoclipe e documental. A análise se apoia nas três camadas ou dimensões propostas por Schulze (2010), a saber: o corpo em foco, movimento da câmera e a “coreoedição” como o resultado na tela. Esse princípio fundamenta-se na teoria de Rudolf Laban.


Palavras-chave: identidade, hibridismo, Tribal Fusion, videodança, análise, Rudolf Laban
                                                                                               
                                              
As danças classificadas como étnicas buscam reafirmar a identidade de um povo através da arte, compondo traços culturais que se firmam como a personalidade de uma comunidade imaginada de determinada sociedade. Na busca por uma identidade globalizada, surge a dança Tribal, uma forma contemporânea de dança do ventre que se desdobrou desse estilo tendo como base o American Tribal Style - ATS – estilo de dança criado pela californiana Carolena Nerriccio em 1987 que trabalha com improviso dirigido com o grupo FatChance Bellydance onde propõe uma mescla de danças étnicas diversas, com a proposta de unir a corporidade da dança do ventre com o flamenco e a dança indiana para formar uma nova dança, sistematizando assim um método codificado para improviso coordenado.
O Tribal surgiu na Califórnia, mas hoje possui personalidades diversas espalhadas pelo mundo, com particularidades que muitos nem classificam mais como dança Tribal. Ele busca tirar a dança do ventre do lugar comum, conferindo uma identidade globalizada com influência de diversas culturas do mundo, ao mesmo tempo em que se torna uma linguagem tão singular. Além das influências já mencionadas, o Tribal também absorve elementos culturais do hip hop, dança cigana, da subcultura gótica e no caso do Tribal Brasil, estilo de dança que venho sistematizando há 11 anos, das danças populares e afro-brasileiras.
Ouvimos falar em Tribal Fusion pela primeira vez nos anos 90 quando uma das bailarinas do FatChance Bellydance, Jill Parker, deixou o grupo e formou o Ultra Gypsy que, sob sua direção, expandiu o repertório de movimentos do ATS por meio de sequencias coreografadas, fusionando sua dança com outros estilos étnicos, compondo uma nova linguagem de movimento. No lugar do sistema de sinais para improviso dirigido, foi incorporado elementos do estilo cabaret, burlesco, vintage, dança contemporânea, entre outras linguagens. É comum as bailarinas de Tribal Fusion serem adeptas do body art, forma de expressão de arte contemporânea com o corpo onde o artista se coloca no mundo como um ser único, ao mesmo tempo em que traz influências de diversas culturas para expressar sua individualidade em seu visual como um todo; a exemplo das amplas tatuagens, cabelos multicoloridos, dreads, alargadores, piercins e toda forma de artefato que modifica o corpo com arte para comunicar uma identidade híbrida. Vejamos o que diz Stuart Hall (2011) sobre identidade:

[...] preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a nós próprios nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. [...]. A identidade plena unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.” (HALL, 2011, pp. 12 e 13).

É na busca por uma possibilidade de identidade múltipla que o Tribal ganha em seguidores, e em subgêneros na busca pela unificação ilusória da identidade.
O presente trabalho trata da analise de sete produções de videodanças com foco no Tribal Fusion, onde a linguagem da videodança potencializa o caráter híbrido do Tribal.
De 2006 até os dias de hoje, partindo do primeiro experimento em videodança da californiana Rachel Brice, Snake Charmer[1], podemos reunir centenas de produções no estilo. A utilização do vídeo como meio de expressão e divulgação do Tribal Fusion tornou-se uma constante. Sendo assim, analisei as produções Snake Charmer, Isolado[2], Lua Nova[3], Rosa Maná[4], Guerrilha Tribal[5], Tribal Interaction[6]e Trupe Tribal Gaia[7], buscando relações entre essas duas artes hibridas: o Tribal e a videodança.
O hibridismo é hoje objeto de discussão e investigação em diversos campos do conhecimento.
[...]o conceito de hibridismo também ressurgiu revigorado tanto que o historiador Peter Burke dedica um pequeno livro, intitulado Hibridismo Cultural, tão-somente à análise desse conceito. [...]Segundo Burke, com a globalização planetária, não há mais como evitar processos de hibridização da cultura. Burke aceita o conceito de hibridização como equivalente, lato sensu, ao de mistura [...](KERN, 2004, p. 55-56).
Essa ideia de mistura se estende ao corpo. Trazendo para o Tribal, podemos dizer que o processo de hibridação é capaz de moldar outro corpo, outra dança.
A videodança, por sua vez, é um gênero audiovisual de linguagem híbrida onde os limites do real podem ser transpostos na dimensão espaço-tempo. Tudo se torna possível; dançar de cabeça para baixo, multiplicar o performer em cena, acelerar e desacelerar seus movimentos, inverter o sentido da ação, alterar cores, sobrepor imagens, entre múltiplas possibilidades. Desse modo, a dança do performer modifica e é modificada pelas técnicas de filmagem e edição. Os movimentos que antes não eram permitidos pelas limitações do corpo, dentro de outro tempo/espaço tornam-se realidades possíveis graças à hibridação corpo/tecnologia digital. Assim como o Tribal Fusion, a videodança agrega técnicas diversas de outros estilos de arte, dialogando com animação, fotografia e efeitos de computação, por exemplo.
Referente ao hibridismo entre o corpo e o sintético a pesquisadora brasileira Ludmila Pimentel sugere em sua tese de Doutorado em Artes Visuais pela Universidade Politécnica de Valencia, El Cuerpo Híbrido En La Danza: Transformaciones En Ellenguaje Coreográfico A Partir De Las Tecnologías Digitales.”:

Mi hipótesis es que ya que estamos viviendo en una realidad cotidiana inmersa en La «digitalización del mundo», nuestro cuerpo ya no es solo biológico; la hibridación con las nuevas tecnologías permite que actualmente habitemos un “cuerpo híbrido”. (Pimentel, 2008, p.271).

Definindo a videodança como uma arte híbrida, propomos a existência de um novo corpo híbrido no vídeo, tomando como ponto de partida o corpo humano que sofreu transformações através das técnicas de computação gráfica dos softwares de edição e pós-edição sob a ótica de um editor que se percebe “coreoeditor” de uma nova dança, de um novo corpo. Desse modo,
Os elementos que cercam a composição em Dança e em Audiovisual, como a construção dramatúrgica do corpo, a relação corpo-espaço e mesmo o processo de decupagem são reconfigurados quando organizados no ambiente digital, binário, dos softwares que compõe e configuram o videodança. Assim, este corpo, imerso neste universo não poderá ser entendido como uma transposição humana, uma cópia ou réplica da realidade, ele é outro, particular e distinto, ainda que o mesmo. Nesse ambiente de possibilidades digitais as partes escolhidas na composição não falam do todo, elas são o todo. (VASCONCELLOS, J., 2012).

Penso essa hibridação no Tribal e na videodança como uma forma de sermos “cidadãos do mundo”, e ao mesmo tempo de nos ligarmos às nossas raízes de algum modo, de nos reconhecermos e justamente por isso sermos capazes de transformar nossa noção do todo em movimento. Relativo a esse pensamento, para falar de identidade, Hall (2011) nos traz o conceito de Tradução. O tradutor seria uma pessoa com vínculos arraigados com sua cultura local que, por algum motivo, foi distanciada de sua terra natal. Essa pessoa continuará mantendo forte vínculo com seu lugar de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de retornar ao passado. “Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades”. (HALL, p. 89, 2011). Com a particularidade de que elas não serão unificadas porque são o produto de várias culturas interconectadas. “As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas [...] estão irrevogavelmente traduzidas” (HALL, p. 89, 2011).
O Tribal, por assim dizer, seria uma arte traduzida a partir de várias etnias transformada em dança. O corpo sintético que nos fala Ludmila Pimentel (2008) é um modo de Tradução ao passo que resignifica o corpo biológico. Essa capacidade de ser o todo através das partes, colocando esse todo em movimento, nos direciona à teoria de Laban.Para clarificar esse caminho, vejamos o que diz Guilherme Schulze (2010):

Ao procurar-se um caminho focalizado na análise, criação e produção de videodança a partir da interface entre dança e vídeo, propõe-se a teoria de Rudolf Laban como estruturadora do olhar e do trabalho criativo. Trabalha-se com a premissa de que é possível utilizar-se uma mesma linguagem para lidar com as complexas relações de um processo e produto híbrido por natureza, como a videodança. (SCHULZE, 2010).

            Schulze (2010) propõe a compreensão da videodança “como síntese de múltiplas dimensões narrativas de análise constituídas essencialmente pelas dimensões primária, secundária e terciária.” A entender, respectivamente: o contexto e o corpo, os planos do “olhar” da câmera; e a “coreoedição”.
Procedendo a análise, em 2006, os praticantes e admiradores do estilo de dança Tribal Fusion ficaram encantados com o vídeo Snake Charmer postado no youtube onde a californiana Rachel Brice aparecia dançando de uma forma diferente de um registro de dança – uma espécie de videoclipe da música de Bassnectar e Kraddy. Segundo Rachel Brice (2006), no canal youtube, “uma forma divertida de exploração e experimentação.
Em 2010 a bailarina brasileira Mariah Voltaire publica no youtube a primeira videodança deTribal Fusion, Isolado, produzida no Brasil com o propósito de esclarecer e difundir a técnica da videodança junto à comunidade Tribal.
Em 2011, o professor Guilherme Schulze, da UFPB, dentro das produções do ContemDança 2, no NEPCênico, dirigiu a videodança Lua Nova com a bailarina Kilma Farias, publicada no youtube em 2012. Esse trabalho foi selecionado para o Dança em Foco 2013, levando o Tribal Fusion para um dos maiores eventos dedicados à videodança na América Latina; também eleito Destaque Videodança Tribal 2013[8] em enquete internacional voltada para o universo Tribal via internet.
No ano de 2013, diversas videodanças despontarem no Brasil e no mundo destacando-se pela qualidade técnica da linguagem em vídeo (movimento da câmera e “coreoedição”) e/ou dos performers em cena. Entre elas, Rosa Maná, abordando o estilo Tribal Brasil, trazendo diálogos sobre identidade brasileira, valendo-se da linguagem cinematográfica; Tribal Interaction, uma produção internacional que bebe nas influências do videoclipe, influenciando por sua vez a Trupe Tribal Gaia que apresenta estética semelhante; e Guerrilha Tribal – Gasômetro Terraço que propõe a videocoreografia, ou seja, a produção de uma coreografia especificamente para a linguagem do vídeo que não seria possível existir fora dele, dada a utilização de recursos da computação gráfica, de pós-produção e edição.
Em Snake Charmer encontramos uma forte característica do videoclipe. Ao iniciar o vídeo, já percebemos o nome dos DJs em créditos como sendo os primeiros elementos visuais na tela, nos levando a pensar em uma “primeira dimensão” oculta: os DJs que, apesar de não aparecerem no vídeo, se colocam como um corpo que confere à bailarina Rachel Brice sua representatividade em cena. Em seguida o nome da música Snake Charmer surge com a performer por trás do grafismo, em um segundo plano, em clima de descontração, bastidores; em efeito, imagem muda para detalhe do ventre e torso da bailarina realizando movimentos lentos e logo corta para mais descontração. A partir de então, a música ganhabeat e a performer é buscada pela câmera enquanto encontra-se sentada em, ao que parece ser, um estúdio de gravação. Nesse ponto fica evidente a presença da “segunda dimensão”, a câmera, sendo essa um corpo que também tem movimento e personalidade. A performer dubla a letra da música evidenciando a linguagem musical. Essa construção coloca a performer em favor da música, confirmando nossa conclusão de que esta é a linguagem principal do vídeo. A música ganha força pela performer que a ilustra por ser, na época, a principal exponente do Tribal Fusion, agregando considerável valor junto ao público consumidor do estilo musical em questão, assim como a música ganha respeitabilidade frente ao público Tribal.
Segue-se então uma sequencia de takes entrecortados onde a performer dança a música. Refrão da letra da música em letter nos dá um segundo indício de que a música é realmente o objeto de maior destaque no vídeo analisado. A partir de 00:38 segundos de vídeo, temos uma transição onde a dança ocupa um lugar de destaque no vídeo, embora mais uma vez a performer sincronize os lábios com a letra da música, mostrando subjetivamente que esta última ainda é a grande estrela.
O que atento aqui é para os padrões de enquadramento, repetições como as que podemos observar, por exemplo, em 1:24 e 1:25 do vídeo, foco em detalhes do corpo da bailarina que vão buscar na linguagem da videodança sua forma de colocar a performer na tela. Até então as bailarinas de Tribal Fusion só eram documentadas em cena tendo como foco principal a coreografia a ser exibida. Mesmo DVDs como Tribal Fusion, The exotic art of Bellydance produzido pelo renomado grupo Bellydance Superstars[9] que possuíam duas câmeras na captação das coreografias, tinham o cuidado de, no menu, colocar a opção de visualizar as coreografias com câmera fixa. E esse experimento musical dançado rompeu com a forma vigente de abordar o Tribal na tela e aproximou as praticantes do estilo ao gênero artístico da videodança. Ora, se o Tribal é uma arte de vanguarda que pretende quebrar com a estética da Dança do Ventre pré-estabelecida, extrapolando padrões, unindo técnicas diversas, revolucionando, trazendo o novo; nada melhor do que a videodança para fazer o impossível acontecer na tela, acelerando e desacelerando movimentos, dando destaque a uma parte do corpo apenas, invertendo o sentido do movimento como observado em 1:30 e 1:31, alterando cores, duplicando corpos, fundindo, brincando com a forma desses corpos, etc., marcando a presença da “terceira dimensão”, o resultado na tela ou “coreoedição”.
Em 1:54 temos nova transição onde observamos bem a participação do editor do vídeo onde o mesmo propõe duplicação da imagem fundindo a performer em duas de 1:58 a 2:03 e faz o vídeo finalizar com uma câmera subjetiva, viva, que compartilha o espaço daquela gravação no estúdio de áudio (locação do vídeo), mas pausa todo o movimento para os créditos surgirem entrando na ordem músicos e música, site dos músicos, nome da performer, site da performer. A finalização fica com plano detalhe do ventre da performer em movimento.
Para mim, fica a tentativa desses artistas (DJs e performer) em agregar suas expressões de arte e lançá-las de modo informal na internet, através do canal Youtube, totalmente em descoberta e uso na época para divulgar novos trabalhos. Para tanto, lançaram mão de um videoclipe diferente, caseiro, tendo como personagem principal a Rachel Brice, mesmo que a música seja o principal personagem. A importância desse vídeo vem dos desdobramentos por ele gerados na classe praticante do Tribal Fusion.
A videodança Isolado foi resultado de um trabalho de pesquisa da aluna e artista visual Mariáh Voltaire do curso de Artes Visuais com Ênfase em Computação da Universidade Tuiuti do Paraná. Esse foi seu primeiro experimento realizado a fim de fazer uma fusão entre a dança tribal e a videodança no Brasil. Ao clicar no link de Isolado no Youtube, vamos encontrar nas especificações do vídeo a preocupação de Voltaire em esclarecer linguagens,

Não confundam VIDEODANÇA com videoclip, ou com um mero registro coreográfico. Há muita pesquisa e um trabalho poético por detrás de uma videodança. ‘A videodança pode ser definida como uma linguagem artística híbrida, que surge da combinação entre dança e vídeo. Ela afirma-se como uma linguagem de mediação tecnológica e não como um processo de colagem; tampouco como mera exploração de efeitos técnicos’. (VOLTAIRE, 2010).

E ainda ao que se segue,
Há no mundo contemporâneo a necessidade de diluir e deslocar fronteiras culturais. Essa necessidade gerou mudanças nos comportamentos sociais, os meios de comunicação expandiram, e em reflexo, as pessoas se renovam a cada instante, aumentando a interatividade e a relação entre os indivíduos.
A possibilidade de usar o vídeo como um novo meio de conceber arte, fez com que a artista Mariáh Voltaire enxergasse uma nova realidade corpórea. Nasce dessa investigação uma nova linguagem, a videodança que transmite ao espectador de maneira simples e intimista, todo o sentimento da artista pela Dança Tribal [...](VOLTAIRE, 2010).

A nova realidade corpórea enxergada por Mariáh Voltaire é um corpo duplamente híbrido oferecido pelo Tribal e pela Videodança e suas múltiplas possibilidades. Trata-se aqui de um vídeo que foi pensado para ser videodança dentro da linguagem do Tribal Fusion. Ao iniciar o vídeo, encontramos letters que trazem o nome da performer, mantendo uma identidade gráfica com a estética do Tribal; em seguida, o vídeo abre espaço para a citação:
[...] o experimentalismo é reencenado sempre que o artista se vê diante de um novo meio de produção de linguagem e propõe-se como tarefa encontrar a linguagem que é própria do meio.(SANTAELLA, 2007, p. 33, apud VOLAIRE, 2010).

            O vídeo dialoga com a ideia da relação das partes, que são o todo, trazendo na “primeira dimensão” um corpo isolado composto por um pensamento que evolui do detalhe para o plano geral. Logo ao início, percebemos uma preocupação em compor esse tempo/espaço chamado vídeo onde aos 00:23 teremos do lado esquerdo da tela, o braço direito da performer que ondula, até entrar em 00:53, do lado direito, o braço esquerdo também em ondulação, gerando uma oposição. Em 1:11, a câmera corta para seu primeiro movimento, mostrando uma personalidade ativa na “segunda dimensão”, e em 11:16 essa imagem se duplica apresentando a “terceira dimensão”, dimensão essa representada por todos os efeitos gerados na ilha de edição. Assim como, em 1:26, a imagem retrocede, em 1:44 o tempo desacelera e em 2:02 temos uma sobreposição suave fundindo imagens, fortalecendo a presença da “terceira dimensão”. As imagens, em Isolado, dialogam de modo sincronizado com a música, ficando perceptível o caráter planejado da coreografia para ser videodança, uma videocoreografia. Em 2:22, temos uma duplicação na tela, com corpos em tempos diferentes que marcam a música, e segue-se as sobreposições em 2:36. Isso vem a confirmar a proposta que essa coreografia só existe na tela, devido às possibilidades oferecidas pelos recursos audiovisuais. Esse corpo sintético que é gerado em Isolado é reafirmado em quase todo o vídeo. Penso que na busca pela reafirmação da linguagem da videodança, o caminho dos efeitos de edição tenha sido o mais propício. O recurso de alteração do fator tempo, diminuindo a dinâmica em 3:05 é mais uma vez utilizado, assim como em 3:20 a movimentação da câmera entra em um brincar de retroceder a imagem. Os planos detalhe de ventre e quadril em tempo/espaço natural são utilizados para pontuar o discurso. Em 3:50 temos um corpo metamorfoseado, deformado, gerando uma outra proposta de corpo no mundo sintético com um quadril e dois ventres, chamando a atenção justamente para as múltiplas possibilidades de composição de novos corpos sintéticos que não seriam possíveis fora da tela. De 4:20 a 4:32 teremos takes de duplicação e variação do tempo, para a partir disso surgirem takes pontuais de partes isoladas do corpo até concluir em 4:36 com a repetição da mesma imagem em 1:11. Isso reflete em mim uma busca pelo retorno à identidade, às etnias, e no vídeo, pela noção do corpo físico fora da tela, mesmo estando nela.
            A videodança Lua Nova tem uma particularidade híbrida; ao mesmo tempo em que se trata de uma coreografia[10] que existe anterior à ideia de sua transformação em videodança, também foi planejada para existir como tal antes de sua gravação, por ser uma produção do ContemDança 2.0 (UFPB). Nesse caso, temos a realização de uma “coreoedição” proposta por Guilherme Schulze, reorganizando e regendo os movimentos capturados no set de gravação para harmonizarem com a música. O resultado é uma coreografia de imagens de um corpo que dança, estabelecendo oposições de tempo, espaço e fluência na edição. A “primeira dimensão”, no vídeo em análise, dialoga em tempo integral com os efeitos da “terceira dimensão”, e com a “segunda dimensão”, visto que os movimentos de câmera são os mais diversificados possíveis. De 00:19 a 00:30 temos uma série de cortes que variam do detalhe, ao enquadramento geral, passando pelo médio, totalizando 7 imagens diferentes. Em 00:30 temos uma desaceleração para em seguida termos mais uma série de cortes com 10 imagens em enquadramentos diversos. Percebo uma influência da videodança Isolado de 00:46 a 00:49 sendo essa uma proposta semelhante à imagem de encerramento do vídeo anteriormente analisado. De 00:49 a 1:07 mais 12 imagens em corte seco dançam a música até darem espaço para movimentação mais definida e ampla de câmera e, entrando em nova série de cortes secos com enquadramentos variados. Em 1:29 há um distanciamento estético mais evidente da possibilidade de classificá-lo como videoarte ou documental, onde o “coreoeditor” utiliza um recurso de modificação da imagem, transformando-a com algo parecido em uma pintura, levando a performer para uma outra atmosfera mesmo dentro da tela. É como se os mundos coexistissem, mas a fantasia soa bem evidente por esse recurso visual, assim como pela música que muda em harmonia com nova qualidade da imagem proposta. O som dos guizos nos pés da performer parece ser uma tentativa de manter presente a ideia de que tudo é muito real, que aquele corpo sintético é humano e imagem, sem perder sua humanidade. De 1:43 a 2:07 vemos uma sequencia de giro que é mostrada pela câmera de diversos pontos, como quem busca múltiplas identidades em um mesmo objeto de análise. As sequencias entrecortadas dão continuidade ao vídeo, dessa vez alterando bastante o fator tempo entre elas até 3:00, onde se inicia uma série que se repete na edição. A meu ver, um questionamento do virtuosismo da técnica. Fora da tela, o quanto os bailarinos se esforçam sem medidas para repetirem sempre da mesma forma um movimento; tentativa vã, uma vez que a cada segundo já não somos mais os mesmos, consequentemente, por mais semelhante que seja não há movimento que se repita igual. No vídeo, o movimento é exatamente o mesmo, porque ele foi capturado em um instante específico e esse instante ficou suspenso no tempo, possível de repetição. Mas a partir do momento que esse vídeo tem um interlocutor, esse interlocutor não é mais o mesmo a cada segundo e percebe de modo diferente cada sequencia, nos fazendo pensar sobre o assunto e levantando possíveis discussões futuras.
            A videodança Lua Nova também faz uso de sobreposições e duplicações da performer na tela e, em 4:00, retorna à estética inicial do vídeo, assim como em Isolado também houve uma busca pelo retorno à uma origem, reafirmando a condição artística do estilo Tribal de revisitar o passado.
            As técnicas cinematográficas são bem evidentes na videodança Rosa Maná, desde a qualidade da imagem aos enquadramentos propostos. O vídeo inicia com a imagem da copa das árvores em contraste com o céu com filtro, envelhecendo-a, e a partir desse ponto, o colorido toma conta. Como quem vai buscar no passado uma boa história para ser contada no presente.  O subgênero utilizado é o Tribal Brasil, estilo sistematizado por Kilma Farias e aplicado à Cia Lunay onde as danças populares e afro-brasileiras hibridizam com os elementos presentes no Tribal Fusion. A música brasileira, de Renata Rosa, reafirma o sentimento nacionalista e o desejo de compartilhar uma herança cultural, embora essa herança já seja traduzida, pois, segundo Hall (p. 63, 2011), “as nações modernas são, todas, híbridos culturais.” Consequentemente, nossa “identidade nacional é uma comunidade imaginada”  (p.51, 2011).
            No vídeo, a brasilidade entra em foco pela linguagem do cinema. A câmera com panorâmicas suaves, zoom e enquadramentos que visam mostrar completamente a “primeira dimensão” tem uma personalidade de observador atento. Aos 00:48 a performer com figurino vermelho esboça cantar a música, chamando atenção para o que foi analisado na videodança Snake Charmer, onde a performer também cantou a música, dobrando a atenção ao apelo sonoro. Possivelmente uma influência desse vídeo, sendo ele referência na comunidade tribal. Não vejo aqui o apelo mercadológico da indústria fonográfica, embora nesse momento a força da imagem ceda à força do áudio. O enquadramento geral é o mais utilizado, assim como o chamado “enquadramento americano”, da altura do quadril para cima. O uso de plano e contra plano também é bastante presente do vídeo analisado, confirmando que este se vale das técnicas utilizadas no cinema para sua composição. Diferente das outras videodanças até agora analisadas, Rosa Maná é visivelmente a documentação de uma coreografia que existe fora da tela, sendo filmada e editada na sequencia em que existe, mas para ser vista numa perspectiva do cinema. De 2:56 a 3:00, as palmas da performer cumprem a mesma aproximação que em Lua Nova da performer com os guizos: do corpo biológico com o interlocutor que assiste, trazendo-a da tela através do apelo sonoro, para uma representação, uma lembrança, do real, mesmo ainda estando dentro da tela. A poética das sombras em 3:03 e a sequencia de planos e contra planos que se seguem  reafirmam a utilização da linguagem cinematográfica.



Referências Bibliográficas:

BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. (L. S. Mendes, Trad.) Unisinos, 2006.

DENZIN, Norman K.,LINCOLN, Yvonna S. The American tradition in qualitative research. Vol. II. Thousand Oaks, California: Sage Publications. 2001.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomás Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

KERN, Daniela. O conceito de hibridismo ontem e hoje: ruptura e contato. MÉTIS, história e cultura – v. 3, n. 6, p. 53-70, jul/dez 2004.

PIMENTEL, L. El Cuerpo Híbrido En La Danza: Transformaciones En Ellenguaje Coreográfico A Partir De Las Tecnologías Digitales. Análisis Teórico Y Propuestas Experimentales.  481 f. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Universidad Politecnica de Valencia, 2008. Apud VASCONCELOS, J. Disponível em <http://http://acervomariposa.com.br/vidbr/2012/02/02/um-olhar-sobre-o-corpo-que-videodanca/>, acesso em 03, mar. 2014.

RENGEL, Lenira. Os temas do movimento em Rudolf Laban (I – II – III – IV – V – VI – VII – VIII): modos de aplicação e referências. São Paulo: Annablume, 2008.

SCHULZE, Guilherme. Um olhar sobre videodança em dimensões. VI Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2010.


[1] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qXi-ZXbtfic> Acesso em: 26, nov, 2013.

[2] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=aWiPmV6Bnco> Acesso em: 20, out, 2013.

[3] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=2PgcCsVxQDY> Acesso em: 20, out, 2013.

[4] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=rNayGI3BuOc> Acesso em: 20, out, 2013.

[5] Disponível em: <http://vimeo.com/69382345> Acesso em: 20, fev, 2014.

[6] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=lAPGDYSYJ2M>Acesso em: 20, fev, 2014.

[7] Disponível em: <http://vimeo.com/70978236> Acesso em: 20, fev, 2014.


[8] Disponível em: http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/01/destaques-tribais-resultado-parte-2.html, acesso em 25, mar., 2014.

[9] Esse assunto pode ser melhor compreendido emhttp://en.wikipedia.org/wiki/Bellydance_Superstars

[10] Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=k1xT7DnJ0Mo >, acesso em 25 de mar., 2014.

Lua Nova -produção do NEPCênico.